O companheiro Lula não teve o direito de velar o corpo de seu irmão. Esse fato chocou a toda sociedade, e também aos familiares de mortos e desaparecidos da Ditadura, que são muitos e estão em todos os setores da sociedade. São pessoas que aderiram ao projeto democrático que Lula impulsiona no Brasil, com sua potência política aguerrida, desde o final dos anos 70. São pessoas que apoiaram incondicionalmente a retomada democrática, de novo, liderada por Lula nas eleições de 2022.
Não velar o corpo de seu irmão foi fato que trouxe muita dor para o presidente Lula. Longe de qualquer desrespeito à essa dor do companheiro, nós familiares de mortos e desaparecidos da Ditadura queremos chamar à empatia nosso presidente, que no momento é o único brasileiro que pode reinstalar, com uma canetada, a única política pública, garantida por lei, que pode dar “alguma” resposta à dor desses familiares que não podem velar os corpos dos seus parentes: trata-se da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta irregularmente por Bolsonaro, à menos de um mês da posse do nosso presidente Lula.
Como fosse quase um escárnio pessoal ao próprio Lula, o ex-deputado que selou seu voto golpista pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff com outro escárnio misógino e nojento ao homenagear o torturador da companheira, encerra a CEMDP, que estava desde 1995 em funcionamento.
Pois bem, lavrado o decreto de reinstalação da CEMDP por seu próprio Ministro Sílvio Almeida, com parecer favorável de seus Ministros da Defesa e Justiça, nosso presidente insiste em não reinstalar a CEMDP. Isso dói mais aos familiares justamente porque nos consideramos aliados deste governo. Mas nada nos é dito para justificar essa demora. Pelo contrário, a audiência oficiada ao presidente Lula para receber familiares, com o apoio e subscrição das maiores entidades de direitos humanos do Brasil, foi secamente negada. Ainda assim, familiares estiveram na frente do Palácio do Planalto em pleno dia 30 de agosto, Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados (ONU), e ainda assim, não foram recebidos pelo presidente, e sim, pela Polícia Militar do DF e o próprio exército. E veja, esses familiares animados por ter meses antes o presidente Lula visitado as familiares de mortos e desaparecidos da Argentina, crentes que agora “era nossa vez”: que nada. Ficamos do lado de fora, mal recebidos pelo secretário da presidência, que achava que precisávamos vir “em associação” - sem saber ele das entidades que nos apoiavam, que oficiaram sua secretaria, e sequer quem estava ali, só para citar: Vera Paiva, filha de Rubens Paiva, Diva Santana, irmã de Dinaelza Santana - ambas eram integrantes da CEMDP! E o secretário ainda dizia que era ex-preso político, do Partidão e tal. Deveria saber do peso de décadas de luta (desde fins dos anos 70!) que estavam ali defronte ao Palácio do Planalto! Ficou conosco ainda assim, mais de três horas debaixo do sol, Diva perto dos 80 anos de idade! Francamente.
Feito esse preâmbulo, até hoje, mais de um ano depois da extinção da CEMDP, o que vem da casa civil e o governo de resposta é: “aguardamos o momento oportuno”. Pois bem, nesse ponto gostaria de lembrar da ocasião em que foi negada ao presidente sua presença no sepultamento do irmão, e sua defesa “argumentou que a Lei de Execução Penal prevê o ‘direito humanitário’ de o ex-presidente comparecer ao velório”, com as seguintes palavras: “Não é possível tornar os direitos dos cidadãos brasileiros letra morta diante de considerações consequencialistas, ancoradas sobre os argumentos burocráticos da reserva do possível ou da preservação da ordem pública, especialmente quando tais questões podem ser facilmente solucionadas”.
Portanto, companheiro Lula, nos apropriamos da palavra da sua defesa, em prol da nossa: podes solucionar facilmente essa questão com uma assinatura, pois nosso direito à CEMDP não pode virar “letra morta diante de considerações consequencialistas”. Ao mesmo passo que a justiça frustrou sua presença no sepultamento do seu familiar por demora sob “argumentos burocráticos da reserva do possível ou da preservação da ordem pública”, pedimos que não repita esse gesto enquanto nosso chefe do executivo. Calcule os milhares de familiares que estão nessa posição humilhante e desumana. Ao pé do marco de 60 anos do golpe que instalou essa Ditadura sangrenta, fica evidente que muitos familiares estão partindo sem ver o mínimo de justiça, sem poder sepultar os restos mortais dos seus, tal como vossa excelência não pôde com o irmão. Esse é nosso apelo à vossa empatia.
Não preciso me alongar e apontar que o silenciamento das mortes e desaparecimentos do passado só fazem impulsionar as mortes e desaparecimentos do presente. Interromper uma política pública como a CEMDP - que sequer perfeita é! - seria aumentar um “buraco” histórico em relação ao período da Ditadura Militar que seria manancial para a criação de novos Bolsonaros, continuamente. Lembre-se caro presidente, a Ditadura Militar assolou e violentou toda a sociedade brasileira, e vossa excelência é um exemplo disso: um operário e sindicalista que se levantou contra essa opressão. Convocamos novamente esse espírito, e, em nome de todas as mães, avós, irmãs e demais familiares de mortos e desaparecidos desse Brasil, reinstale a CEMDP. Já!
*Leo Alves* - _músico, defensor de direitos humanos e neto de Mário Alves de Souza Vieira, desaparecido político pela Ditadura Militar_
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