Livro Tempo de Resistência |
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PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO. Vereador Leopoldo Paulino, Dr. Leopoldo ou, para mim, simplesmente Leo. Assim o chamo hoje, como permite uma intimidade forjada na partilha de idéias e ideais que alicerçaram nossa amizade. Mas, por algum tempo, conheci-o como Jaiminho. Foi na época dos anos de chumbo, quando aqueles que lutavam pelo ideal da igualdade e da democracia eram, tantas vezes, impedidos de usar o próprio nome. Nós, eu e Leopoldo/Jaiminho, estávamos (e ainda estamos) entre aqueles que perseguem tal ideal. Como se vê, nossa amizade é antiga, quase 30 anos. Militamos na mesma organização guerrilheira, ALN – Ação Libertadora Nacional – eu, no Rio; ele, em São Paulo, ou melhor, em Ribeirão Preto. Mas não foi aqui no Brasil que o conheci. Foi no Chile, país de tradição democrática desrespeitada, quebrada e vilipendiada por Augusto Pinochet, que, durante o governo de Salvador Allende (1970/1973), representou abrigo seguro para pessoas que, como nós, viram-se obrigadas a deixar a pátria, justamente por serem tão patriotas. E éramos muitos, não só do Brasil, mas de toda a América Latina, a qual vivia a fase sombria das ditaduras militares, patrocinada pelo projeto imperialista do momento. Quando lá cheguei como um dos integrantes do grupo de 70 brasileiros banidos do território nacional em troca do embaixador suíço, fui levado a conhecer o companheiro Jaiminho, um companheiro jovem, muito jovem, e já com uma boa experiência de luta acumulada e uma férrea decisão de luta (herdada, aliás, do pai que, de certa forma, nunca abandonou a militância). Mas já casado e com um filho a caminho, dando aula de música na Universidade de Chillán, ao sul de Santiago. A amizade nasceu de imediato, levada não só pelo companheirismo, pela militância conjunta (e ainda faríamos juntos algumas ações políticas no Chile), mas também porque éramos transgressores, no sentido defendido por Leonardo Boff: pessoas que violam fronteiras, eternos protestantes, no sentido de romper convenções, sempre com um profundo respeito pelo passado, mas, acima de tudo, com um grande compromisso com o futuro e com a humanidade. Era assim que empregávamos nossa juventude: com o compromisso de criar um futuro melhor, uma sociedade mais humana, um Brasil para os brasileiros, um mundo para todos. Queríamos a vida sonhada não só para Carlos Eduardo (filho dele que estava por nascer) e para Maíra (minha filha também por nascer), mas para todos aqueles que estivessem por vir. Apesar do engajamento, ainda encontrávamos tempo para viver com intensidade nossa juventude (como se a militância, naquele período, já não representasse viver com intensidade). Tínhamos como conseqüência lógica de nosso engajamento político: o compromisso com a cultura, formamos um grupo musical que se apresentou em teatros e peñas (casas noturnas populares) do Chile, cantando músicas brasileiras (de protesto, naturalmente); com o saber, a prática, as leituras e as discussões políticas são sempre fontes do conhecimento; e com o nosso tempo, usávamos cabelos compridos e bolsas a tiracolo. Quando, depois de nosso reencontro, fui pela primeira vez a Ribeirão Preto, acompanhei o vereador Leopoldo Paulino em suas lutas em defesa dos marginalizados, dos bóias-frias, vi as ameaças que ele sofria por parte de políticos e setores mais conservadores, temi por sua vida. Senti, o que me deixou realmente sensibilizado, o apreço que ele tinha por mim, por minha história de vida. Apreciação recíproca, obviamente. Após este reencontro, nunca mais deixamos de nos ver ou nos falar nos mais diferentes momentos de nossas vidas. Sinto que este livro em que Leopoldo faz um resgate de um momento histórico tão importante para o país e que hoje desperta tanto interesse e sofre tantas deformações, tem também a preocupação de acender em outros a chama do compromisso político e da solidariedade, valores tão presentes em seus mandatos. Certa vez, conversando com a eterna transgressora, Luiza Barreto Leite (já falecida), ela com mais de 80 anos e eu quase chegando aos 50, comecei uma frase com o chavão “no meu tempo”. Luiza interrompeu-me de imediato: “No seu tempo? Você já morreu? Meu tempo, seu tempo é o hoje!”. Francisco Mendes*
* Professor de História, foi militante da ALN e um dos presos políticos trocados no seqüestro do embaixador suíço.
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